A eletroporação, ou eletropermeabilização, é uma técnica de biologia molecular na qual um campo elétrico é aplicado a células, por forma a aumentar a permeabilidade das suas membranas, permitindo a introdução de fármacos ou DNA nas células. Em biologia molecular, a eletroporação é usada para transformar bactérias, leveduras ou protoplastos, por introdução de moléculas de DNA. A aplicação de uma diferença de potencial (ddp) de algumas centenas de Volts numa pequena distância (alguns milímetros) leva à introdução de plasmídeos nas células.

Eletroporação: a aplicação de um campo elétrico permite a formação de poros, levando à permeabilidade das membranas a moléculas eletricamente carregadas.
A eletroporação é também altamente eficiente para introduzir genes exógenos em células de cultura de tecidos, especialmente células de mamíferos. É, por exemplo, usada na produção de ratinhos knockout, assim como no tratamento de tumores e terapia génica. A eletroporação é um método muito eficiente na transfecção de células em suspensão, na medida em que, após estabelecidas as condições óptimas da técnica para uma dada amostra, é um método que permite a transfecção de um grande número de células em pouco tempo. No entanto, a sua principal limitação é a elevada taxa de morte cellular, devido Às elevadas voltagens aplicadas. A eletroporação em tecidos in vivo já se provou eficiente, tanto para aplicações in utero, como em transfecções in ovo. Células aderentes também podem ser transfetadas usando eletroporação, o que constitui uma alternativa à tripsinização das células antes da transfecção.
A eletroporação permite a introdução de moléculas grandes e altamente polarizadas, como DNA, que nunca atravessariam por difusão passiva a bicamada lipídica, hidrofóbica. Este fenómeno baseia-se na criação de poros hidrofílicos nanoscópicos na membrana. Embora a eletroporação e a quebra dielétrica (rápida redução da resistência de um isolante elétrico quando a diferença de potencial aplicada excede a voltagem limite) resultem da aplicação de um campo elétrico, os mecanismos envolvidos são fundamentalmente diferentes. Na quebra dieléctrica, o material isolante é ionizado, tornando-se condutor, sendo, por isso, esta alteração de natureza química. Já na eletroporação, os lípidos não sofrem alteração química, mas simplesmente sofrem um rearranjo da sua posição no espaço, abrindo pequenos poros que funcionam como canais ao longo da membrana à medida que se são preenchidos com moléculas de água.
A eletroporação é um fenómeno dinâmico que depende da diferença de potencial transmembranar local em cada ponto da membrana celular. É geralmente aceite que, para uma determinada duração e forma do pulso aplicado, existe um limite de voltagem transmembranar para a manifestação do fenómeno de eletroporação (desde 0,5 V a 1 V), o que leva à definição de magnitude-limite do campo elétrico para eletroporação (Eth). Isto é, apenas as células em áreas onde E≥Eth são eletroporadas. Se um segundo limite (Eir) for atingido ou ultrapassado, a eletroporação comprometerá a viabilidade celular, e.g., eletroporação irreversível (IRE, irreversible eletroporation).
A eletroporação é constituído por uma série de processos com fases distintas. Primeiro um pequeno pulso elétrico é aplicado, com uma ddp de 300-400 mV por menos de 1 ms ao longo da membrana (é importante de se notar que a voltagem aplicada são normalmente muito maiores porque estas estão a ser aplicadas ao longo de maiores distâncias, ao longo da solução, pelo que o campo elétrico resultante na membrana constitui apenas uma fração do campo elétrico aplicado). Após aplicação da ddp, a membrana começa a acumular carga, funcionando como um condensador, devido à migração de iões com cargas opostas. Uma vez atingido o ponto crítico, dá-se um rápido rearranjo da morfologia da membrana lipídica. A estrutura formada corresponde a um “pré-poro”, dado não ser eletricamente condutor, mas leva rapidamente à formação do poro condutor. Foi sugerido que estes pré-poros são pequenas (cerca de 3Å de diâmetro) deformações hidrofóbicas. Se esta hipótese estiver correta, a transição para um estado condutor depende do rearranjo da extremidade do poro, em que as cabeças dos lípidos se dobram para criar uma interface hidrofílica. Por fim, estes poros podem reverter à estrutura inicial, libertar-se da bicamada ou expandir-se, levando eventualmente à ruptura. O destino final do pré-poro depende do diâmetro da própria estrutura que, por sua vez, depende do campo aplicado, de stress mecânico localizado e da Edge energy da membrana. Esta edge energy corresponde à energia por unidade de comprimento de uma extremidade livre em contacto com água e pode ser vista como a quantidade de trabalho necessária para um buraco na bicamada por unidade de comprimento L. A origem desta energia deve-se à formação de uma interface que expõe algumas caudas hidrofóbicas às moléculas de água, o que não é favorável. Trata-se de uma conformação de elevada energia, pelo que, para estabilizar estas extremidades, dá-se uma rearranjo dos lípidos para que as cabeças polares dos lípidos se voltem para a extremidade exposta.

Cuvetes para eletroporação
A eletroporação é realizada por recurso a eletroporadores, instrumentos construídos para esse mesmo propósito, que criam um campo elétrico numa suspensão celular. A suspensão é colocada numa cuvete de vidro ou de plástico que possui dois elétrodos de alumínio. Para uma eletroporação de bactérias usa-se, normalmente, cerca de 50 microlitros de suspensão. Antes da eletroporação, a suspensão é misturada com a solução do plasmídeo a transfectar. A suspensão é transferida para a cuvete, a voltagem e a capacitância são ajustadas e a cuvete é inserida no eletroporador. Imediatamente após a eletroporação, um mililitro de meio líquido é adicionado à suspensão (na cuvete ou num microtubo) e o tubo é incubado à temperatura óptima das bactérias eletroporadas por pelo menos uma hora, para permitir a recuperação das células e a expressão do plasmídeo, seguindo-se a inoculação das bactérias em agar.
O sucesso da eletroporação depende grandemente do grau de pureza da solução do plasmídeo, especialmente na sua composição iónica. Soluções com elevada concentração salina podem causar uma descarga eléctrica, que reduz a viabilidade celular. Para a eletroporação com maior eficiência, a impedância da solução deve ser optimizada. A força iónica da solução deve ser suficiente para estabelecer o contato dos dois eléctrodos, mas sem provocar uma descarga elétrica.
O primeiro tratamento com sucesso de tumores cutâneos malignos implantados em ratinhos foi realizado em 2007 por investigadores que conseguiram a ablação dos tumores em 12 de 13 ratinhos, usando 80 pulsos de 100 µs a 0,3 Hz com uma magnitude de campo elétrico de 2500V/cm para tratar os tumores cutâneos.
Descobriu-se que eletroporações com voltagens mais elevadas levava à destruição irreversível de células-alvo dentro de um intervalo restrito, sem afetar as células vizinhas, o que representou uma forma promissora de tratamento de cancro, doenças cardíacas e outras doenças que requerem a remoção de tecido. A eletroporação irreversível (IRE) tem-se mostrado desde então eficaz no tratamento de cancros em humanos, com cirurgiões de alguns intitutos a usar esta técnica para tratar cancro pancreático, que antes era considerado inoperável.
Uma técnica recente, designada por N-TIRE (non-thermal irreversible eletroporation) tem mostrado sucesso no tratamento de diferentes tipos de tumores e de outros tecidos indesejáveis. Esta técnica é aplicada usando-se pequenos eléctrodos (cerca de 1 mm de diâmetro), colocados no interior ou nas vizinhanças do tecido alvo para aplicar pequenos e repetitivos pulsos de electricidade com uma voltagem e frequência predeterminadas. Estes pulsos aumentam o potencial transmembranar de descanso, de forma a formarem-se poros nas membranas. A aplicação de pulsos com uma diferença de potencial superior ao limite das células dá-se a permeabilização permanente. As células não conseguem reparar o dano e morrem devido a perda de homeostasia. Esta técnica distingue-se das restantes técnicas de ablação de tumores na medida que não causa danos provocados por calor nos tecidos circundantes. Além disso, não causa dano ao nível das proteínas da matriz extracelular vizinha, levando por isso a uma cicatrização mais rápida. A principal desvantagem desta técnica é que pode levar À estimulação elétrica de determinadas células, nomeadamente células musculares, podendo levar a danos graves. Assim, em simultâneo, é aplicado um agente paralisante, para evitar tais efeitos.
Em contraste, a eletroporação reversível ocorre quando o campo elétrico aplicado gera uma ddp inferior ao limite celular do tecido, o que permite a reparação da bicamada fosfolipídica e a recuperação das funções celulares normais. A eletroporação reversível é usada, normalmente, em tratamentos que envolvem a introdução de um fármaco ou de um gene (ou outra molécula que não consegue permear a membrana por difusão passiva) nas células. Nem todos os tecidos têm o mesmo valor limite; assim, a técnica tem sempre que ser ajustada para as características do tecido a tratar, a fim de se garantir a segurança e a eficácia do tratamento.
Uma outra técnica, mais eficaz, é a eletroporação irreversível de alta frequência, H-FIRE. Esta técnica usa eléctrodos para aplicar pulsos bipolares de electricidade a altas frequências, em contraste com os pulsos unipolares a baixas frequências. Tem a mesma taxa de ablação de tumores que o N-TIRE. No entanto, tem uma vantagem distinta: o H-FIRE não causa contracção muscular nos pacientes e por isso não é necessário recorrer-se a um agente paralítico.
A eletroporação pode ainda ser usada para o transporte de medicamentos para o interior de determinadas células por aplicação de pequenos pulsos elétricos intensos que permeabilizam transientemente as membranas celulares. Esta técnica costuma ser designada por eletroquimioterapia quando as moléculas a transportar são agentes quimioterápicos, ou eletrotransferência de genes quando a molécula a transportar é DNA.
Cientistas do Instituto Karolinska e da Universidade de Oxford têm feito eletroporação de exossomas para transportar siRNAs, oligonucleótidos anti-sense, agentes quimioterápicos e proteínas específicos para neurónios após a sua injeção sistemática no sangue. Como estes exossomas têm a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, esta técnica tem resolvido o problema da baixa taxa de difusão dos fármacos para o sistema nervoso central, podendo ser usada para o tratamento da doença de Alzheimer, Parkinson, cancros cerebrais, entre outras.
Fontes: Wikipédia – eletroporação | Life Technologies | Wikipédia – quebra dielétrica | Wikipédia – edge energy