Sumário
A informação genética é armazenada no nosso genoma principalmente sob a forma de DNA em hélice, denominada DNA-B. Adicionalmente, o material genético apresenta um segundo nível estrutural, este de cariz regulatório. Até agora só tinham sido demonstradas formas não-canónicas de estruturas de DNA in vitro, i. e. motivos-i ou motivos G-quadruplex (G4), sendo a existência de tais estruturas dentro das células assunto de debate. Num artigo científico publicado em Abril na revista Nature Chemistry, Zeraati et al. demonstraram a formação in vivo dos motivos-i no núcleo das células humanas. Mais ainda, os autores demonstraram que estas estruturas são formadas em regiões regulatórias do genoma, incluindo promotores e regiões teloméricas, e que são dependentes do ciclo celular e de variações de pH.
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“Nós” de DNA no nosso genoma
O DNA tende a dobrar-se sobre si próprio, formando uma estrutura helical denominada por DNA-B. No entanto, em condições in vitro (fora das células), o DNA também adopta outras formas estruturais que se assemelham a “nós” nas cadeias que compõem a dupla hélice, incluindo a forma G-quadruplex (G4) e o motivo intercalado (motivo-i; ver Figura 1). Análises computacionais e de sequenciação de DNA dos motivos G4 revelaram que estes motivos se formam com maior frequência em regiões regulatórias do genoma. No entanto, apesar da existência destes resultados in vitro, a sua existência dentro as células nunca tinha sido comprovada.

Figura 1 – representação esquemática dos motivos G-quadruplex (G4) e dos motivos-i.
No caso dos motivos-i, a falta de evidências sobre o papel destas estruturas no funcionamento da célula é ainda mais escasso. Os motivos-i (figura 1) formam-se através de interacções entre entre uma citosina hemiprotonada e uma citosina neutra (C+ : C) em condições ligeiramente ácidas. Como existem regiões ricas em C no genoma humano, como telómeros, centrómeros e regiões promotoras de proto-oncogenes, os motivos-i têm sido bastante caracterizados in vitro em DNA derivado dessas regiões. Estas caracterizações demonstraram a formação de estruturas não-canónicas, tanto intra- como intermoleculares, sendo a estabilidade de tais estruturas dependente do número de citosinas no centro do motivo-i, assim como do comprimento e composição dos loops que os compõem.

Figura 2 – imagens de microscopia confocal de fluorescência dos foci do iMab em núcleos de células da linha MCF7. Os núcleos foram corados com DAPI. Barras de escala correspondem a 5 µm.
Apesar das fortes evidências de que regiões ricas em C podem adoptar in vitro estruturas motivo-i, a existência in vivo desta estrutura de DNA de 4 cadeias no genoma humano não era ainda totalmente aceite e era assunto de debate: estas estruturas formam-se in vitro em condições ácidas, o que levanta questões quanto à sua relevância biológica; no entanto, a existência dos motivos-i in vivo é suportada pelas provas de que estes também se podem formar a pH fisiológico, em condições de molecular crowding (muitas moléculas presentes em solução) e em superhelicidade negativa, induzida durante a transcrição. Estes resultados sugerem funções regulatórias dos motivos-i na replicação e/ou transcrição.
Numa tentativa de identificar estas estruturas in vivo no genoma humano, e para caracterizá-las quanto ao seu papel biológico, o grupo de investigadores liderado por Daniel Christ criou um fragmento de anticorpo (iMab) que reconhece especificamente os motivos-i. A equipa utilizou este anticorpo para fazer análises de imunofluorescência em diferentes linhas celulares humanas e demonstrou a existência de motivos-i nos núcleos das células (Figura 2).
Papel biológico dos motivos-i nas células humanas
Uma vez identificados motivos-i nos núcleos das células, a equipa de Daniel Christ avaliou se a formação destes motivos está de alguma forma relacionada com o ciclo celular ou com variações no pH. Mais ainda, a equipa investigou se estes motivos se formam em regiões regulatórias, i. e. regiões teloméricas ou promotores de proto-oncogenes. Os seus resultados demonstraram que a formação de motivos-i está dependente do ciclo celular, uma vez que observaram um aumento do número destas estruturas na transição da fase G1 para a fase S, a qual está relacionada com elevados níveis de transcrição e com o crescimento celular (ver figura 3).

Figura 3 – Imagens de microscopia confocal de fluorescência dos foci do iMab nos núcleos de células da linha HeLa. As células foram sincronizadas na transição G0/G1, G1/S e na fase inicial de S. Os núcleos foram corados com DAPI. Barras de escala correspondem a 5 µm.
Mais ainda, os motivos-i parecem formar-se em regiões promotoras de alguns proto-oncogenes, o que suporta a teoria de que funcionam como estruturas de reconhecimento e ligação de factores de transcrição. Por fim, os investigadores demonstraram a co-localização destas estruturas com o factor TRF2, um regulador negativo do comprimento dos telómeros que se liga predominantemente a estas regiões do genoma, provando que motivos-i também se formam nas regiões teloméricas.
Fonte: Zeraati, Mahdi et al. (2018) Nat. Chem.; doi: 10.1038/s41557-018-0046-3